sábado, junho 27, 2009

Mia Couto dramaturgo...

Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

Natural da Beira, Moçambique, o galardoado escritor Mia Couto é considerado um dos nomes mais importantes da nova geração de escritores africanos de língua portuguesa. A escrita tem sido uma paixão constante, desde a poesia, na qual se estreou em 1983, com A Raiz de Orvalho, até à escrita jornalística e à prosa de ficção.

Vencedor de vários prémios, realçamos mais um a ser recebido pelo próprio Mia Couto em terras de Vera-Cruz, nos primeiros dias do próximo mês de Julho… imaginem só, pela vertente dramatúrgica da sua obra.
Naturalmente ‘mais conhecido por sua obra literária’, escreve a organização do Festlip 2009, ‘Mia Couto será lembrado no festival por suas criações como dramaturgo e virá ao Brasil receber o troféu Festlip 2009 pela expressiva contribuição e aprimoramento do teatro em Moçambique. Além de uma palestra sobre as relações entre teatro e literatura, o público poderá conferir a montagem de uma peça de sua autoria, “Mar me quer”, encenado pelo Grupo Tijac, de Moçambique.‘
E é a programação do festival de teatro a acrescentar: ‘A homenagem vem a calhar, pois a ideia do Festlip – Festival de Teatro da língua portuguesa que estará na sua segunda edição – é mostrar como o teatro pode ser um elo tão forte quanto o idioma, de ligação entre vários povos de cultura e história comuns, apesar das diferenças…’
Pois é! Festlip – Festival de Teatro da língua portuguesa… e Cabo Verde vai estar presente com duas peças creoulas… “Psycho” e “No Inferno”, através dos grupos de Teatro Solaris e CCP do Mindelo, respectivamente.
Entre 2 e 12 de Julho, onze espetáculos de seis países amigos (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal), e que nasceu justamente, de uma visita da idealizadora do projecto a Moçambique, onde, conforme diz Tânia Pires – também produtora do Festlip - ‘conheci o teatro local e o próprio Mia Couto’.

5 comentários:

licinha mascarenhas disse...

Se por acaso estiveres com o Mia Couto no Brasil, diz-lhe que
aqui nas terras creoulas ele tem muita gente que o adora também. Sei de mim mas sei de outros tb e o que mais me intriga é a sensação de "insatisfação" de saudade, de nem sei o quê, que ele deixa em mim sempre que termino de ler um de seus livros. Quero ler mais e mais e as imagens, a cadência ritmada dos escritos toda a beleza que ele empresta aos seus mais simples contos sempre criaram em mim um sentido tal de admiração mas ao mesmo tempo de "desânimo" : e eu a querer escrever .... quando terei tal mestria?
Enfim... felizmente me recomponho depressa... mas não ouso escrever...

Anônimo disse...

Ha um médico crioulo que precisa do nosso apoio divulgando e defendendo a sua causa na Net, Twitter, facebook, enfim em todo o lado;

Aqui está o link:

http://grevedefomeemdirecto.blogspot.com/

Underdôglas

Fonseca Soares disse...

Licinha, estive com ele, por três ou quatro vezes... e confirma-se: ele é mesmo especial!!! E ainda mais como homem pensante, com coração e engajado! E a sorte do autógrafo dele no novo livro... que será Jerusalém em Portugal (no dia 13 de Julho), mas aqui no Brasil, já está à venda... com outro nome.

Jorge Mesquita disse...

Os cheiros e os sons de África que se bebem em Mia Couto, bebo-os eu com estas palavras das sombras africanas que se enrolam em mim.

VAGA DO DESERTO

Não sei da noite da ternura
Nem do preço alto das mágoas
Mas sei que a paz é madura
E recolhe o peso das fráguas
Embora não seja o regresso
Do seu passado ao futuro
Porque o tempo do insucesso
É o ar do bolso escuro
Onde guardava as chaves
Que abriam as portas do olhar
E faziam das notas graves
Os indultos para se amar

Acende a luz da verdade
E eu apago o abrigo
Onde a noite é vontade
De ser o que foi antigo
E a fonte da idade
Que cresceu como um amigo

Agora sei que sou um vulto
Que finge que é uma luz
Embora caminhe oculto
Por dentro do que se reduz
À simples folha do Outono
E mesmo que acorde mudado
O dia cheira a um abandono
Que arde no corpo podado
Mas eu sei que a noite me espia
E grava todo o livro aberto
Onde o enredo se esfria
Porque é a vaga do deserto

Acendi a luz da verdade
E apaguei o abrigo
Onde a noite é vontade
De ser o que foi antigo
E a fonte da idade
Que morreu como um amigo.

Jorge Brasil Mesquita

Álvaro Ludgero Andrade disse...

Prezado Tcha, obrigado por nos relembrares esse africano de sete costados. Trabalhei com ele durante 2 meses em Moçambique, em 1999, numa consultoria junto da Rádio Moçambique, e, de facto, é uma pessoa especial: de uma sensibilidade fora de série, mas, ao mesmo tempo, de um engajamento a todo o vapor com as causas que defende, na sua maioria, nossas também.