segunda-feira, abril 17, 2006

Centenário de Samuel Beckett




Nasceu há 100 anos o escritor, dramaturgo e encenador irlandês Samuel Beckett. Grande parte da sua obra foi escrita em francês, de que se destaca essa obra conhecida e reconhecida mundialmente como um ícone do Teatro Contemporâneo - “À Espera de Godot”. Peça que aqui no país, foi levado ao palco numa adaptação crioula que pôs a contracenar um camponês do interior de Santiago e uma camponesa da Ilha das Montanhas – "À espera da Chuva’".


Também ressai da obra de Beckett, uma trilogia de romances e quatro novelas (entre as quais “Primeiro Amor”), também conotadas em França, país onde viveu largos anos, participando na Resistência ao ocupante nazi. Aliás em Paris Beckett foi também professor e aí morreu a 22 de Dezembro de 1989.

Foi também em Paris que conheceu o seu compatriota James Joyce. Em 1931 regressou à Irlanda, mas sempre se repartiu entre o seu país natal (que então se batia pela independência da coroa britânica), com passagens por Londres e pela Alemanha, além de França.

Curiosamente, depois de escrita - originalmente na língua de Molière - ocupou-se ele mesmo de verter os seus livros para a língua inglesa, construindo uma obra bilingue cada vez mais depurada. Em 1969 foi-lhe atribuído o Nobel da Literatura, distribuindo o respectivo dinheiro pelos amigos.

Em Cabo Verde, em 2002, o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo - ICA, fez uma adaptação livre inspirada na mais emblemática das peças de Beckett, com a peça "À Espera da Chuva", numa encenação de João Branco.




















'À espera da chuva' - foto JBranco

E pelo interesse - e actualidade - também aqui retomamos este texto de Daniel Cristal sobre o génio de Beckett (in OLiberal-on-line), com a devida vénia

OS GÉNIOS SÃO EXIBICIONISTAS
Se Samuel Beckett obedecesse aos cânones tradicionais do Teatro do seu tempo, nunca seria o génio e mestre que foi, e ainda é. Faz parte da Arte romper com o passado, subverter, transgredir: ao nível do conteúdo e este arrasta por consequência, pela lógica que engendra, a própria forma. Difícil, talvez mais difícil, será a forma tradicional expressar a ideia de um mundo novo, conquistado diariamente. Difícil, mas possível, porventura, um desafio respeitável e atrevido, também, em simultâneo
Na progressão do meu percurso na Net, fui verificando o seguinte: os estetas que nela se movem não procuram amizade, procuram mais precisamente empatia; e elas não são a mesma coisa. Se quisessem amizade, namoro, amor, entrariam nos grupos da especialidade. Alguns até, porventura, talvez lá estejam, porque certamente lhes faz falta, mas não é a generalidade, suponho eu, com alguma convicção pessoal.
O que me leva a esta reflexão, não é um acto gratuito, uma mera especulação da imaginação; é, antes, a reflexão da terminologia usada que parece desviada da sua significação original.
Aquilo que se diz comummente de 'amigo(a)', não é a palavra certa para quem busca mais do que isso. A empatia é outra coisa, que não é a amizade. É um estado espiritual com o entendimento quase pleno de sentimentos e pensamentos, fluídos numa abstracção adquirida. É uma compreensão quase absoluta, sempre dinâmica e evolutiva, da idiossincrasia do(a) outro(a), uma procura de aferição por um nível que já não pertence à norma generalizada. Começa por ser uma adopção de uma atitude perante a vida, de um estar e um agir diferenciados, que se pautam por valores outros, e que não são os da mediania, muito menos os da mediocridade institucionalizada.
Ser ou não ser amigo, esperar cobrança pela amizade, este não é o modo de enobrecer o sentimento ligeiro, que diz que é, sem saber bem o que é. A relação de amizade e companheirismo pode exigir mais do que o significado comum; pode exigir afinidades de alma, do estado mais ou menos avançado da sua progressão, envolvendo e incluindo avanços nos padrões culturais e estéticos. Na Arte, é recuo continuar a pautar-se pela norma. Ela precisa do arrebatamento, do arroubamento, do encantamento. Ela emociona e extravasa num ambiente presente, que não deseja mais ser o do lugar-comum. Se Samuel Beckett obedecesse aos cânones tradicionais do Teatro do seu tempo, nunca seria o génio e mestre que foi, e ainda é. Faz parte da Arte romper com o passado, subverter, transgredir: ao nível do conteúdo e este arrasta por consequência, pela lógica que engendra, a própria forma. Difícil, talvez mais difícil, será a forma tradicional expressar a ideia de um mundo novo, conquistado diariamente. Difícil, mas possível, porventura, um desafio respeitável e atrevido, também, em simultâneo.
Quando vamos a uma exposição anunciada de boa parte da obra de Pablo Picasso ou Salvador Dali ou Paula Rego, não encontro entre os visitantes gente que os rejeita, mas quem os admira, e, quando muito, um ou dois debutantes que aparecem por


curiosidade ou para aprender mais acerca dos artistas. Esses visitantes podiam dar a sua mão uns aos outros, porque comungam da arte do artista. A estes, os autores poderiam, se pudessem, felicitar a visita, porque são procurados por quem quer maravilhar-se ou aperfeiçoar o entendimento da sua arte. O que procura o esteta? Maravilhar pela sua expressão, seja a pictórica ou outra, que inclui naturalmente a formal, desenvolver o seu génio, comungar com todos os outros estetas que afinam pelo diapasão de uma individualidade artística que causa impacto agradável, atraente, criador de consciências mais evoluídas. Todo o resto é romance com ele ou acerca dele.
É, no fundo, a própria voz que o artista procura, a sua voz pessoal, individual, o seu jeito de ser diferenciado de toda a colectividade estática, periférica, a busca incessante e em permanente expansão do seu génio, mais ou menos, promissor, profético, apologético. De certo modo, também, ele é um exibicionista que quer maravilhar pela individualidade. E mais digo: a exibição não tem nada de negativo, antes pelo contrário - nestes casos específicos, ela é um modo utilizado pelo corpo (conduzido pela alma), com o propósito de se querer descarnar para ser espírito unicamente.
Daniel Cristal

2 comentários:

Armando Figueireedo disse...

Agradeço a empatia da direcçãoo deste Blogue, que aproveitou o meu apontamento acerca de Samuel Becket, para o honrar e celebrar.
É sempre agradável ver os nossos escritos a servirem de marco e referência mais ou menos históricos para orientar gostos, prazeres anímicos, respeitados pela sua verdade mais profunda - a essencial.
Parabéns, por isso, à equipa que constitui e dá vida a este respeitável Atelier com um nível muito elevado de divulgação artística e literária.
Armando Figueiredo

Armando Figueireedo disse...

Daniel Cristal é um altérnimo de Armando Figueiredo